Pensei em comprar um terço pela primeira vez hoje vendo um filme do Almodóvar. Fico meio mi gente latina das ideias quando assisto às coisas dele. Além do mais, vi esses dias a notícia de uma senhora que fez um terço de pedras que retirou da vesícula ao longo da vida. Braba. Eu nunca nem tive pedra no rim e a quantidade de dentes de leite que tenho guardados não dariam nem pras sete pedras grandes que são exigidas no adorno. O jeito vai ser mesmo gastar dinheiro nesse troço.
O meu futuro terço deve ser feito de plástico, madeira ou qualquer outro material dos quais são feitos os terços hoje em dia. Se não der certo a beatice e meu pedido não for atendido, vou colocar a culpa em alguma criança sub-explorada do sudeste asiático que não prendeu as pedras direito. Deve ter TDAH, a maldita. Alguém sabe se com o fim da The Eras Tour as swifties ainda aceitam encomendas de acessoriozinhos feitos de miçangas? Deixa o contato nos comentários.
Sofri uma perda amorosa, mas não a fé. Tenho certeza que com o número certo de viagens pelas continhas do terço, eu ganho de volta o meu amor em alguns tantos dias. Meu método parece mais esperto que o do personagem de Chungking Express, que comprou todas as latas de abacaxi em conserva com validade pro dia em que ele esperava que a moça voltasse. Digo isso porque, antes de qualquer coisa, abacaxi corta a minha boca. Segundo, porque não tenho conseguido comer quase nada desde que ela decidiu ir embora (e Deus não gosta de desperdício).
Observem que escrevi o nome Dele em maiusculo, não posso arriscar qualquer tipo de deslize. Tipo quando assisti ao Auto da Compadecida pela primeira vez e, numa cena, eles dizem que Deus se disfarça de morador de rua para testar a nossa fé. Desde então, nunca mais neguei nada a um pedinte. Já gastei duzentão em fraldas para adultos numa farmácia da Avenida Paulista. Não pode aparecer uma rifa de espremedor de suco de laranja no grupo do trabalho que lá estou eu comprando a minha ficha. Vai que é Ele? E, agora, eu preciso Dele mais do que nunca.
Ao contrário do que acontece no filme de Wong Kar-Wai, no qual a moça voltaria num primeiro de abril, a minha teoria é que a mulher que me deixou me prepara uma surpresa de Natal. Tudo bem que faria mais sentido ela voltar no Domingo da Páscoa, como fez Jesus. “Que cara é essa, gente? Parece até que tão vendo defunto". Penso o seguinte: na manhã do dia 25, a campainha da minha casa vai tocar e tcharam!. Como é que pode ela não voltar? São só dez minutos andando da casa dela pra minha (e dessa vez não é conversa de paulistano que não quer pagar o metrô). "Presente de grego!", diriam meus amigos ao vê-la. Mas aí já seria tarde demais. Ela teria voltado e nada mais importaria.
Pela primeira vez, eu entendo quem caminha quilômetros em Compostela, Aparecida. A quantidade de membros expostos nas salas dos ex-votos das igrejas mundo afora. As velas, as águas, os santos ou quando Charlie XCX escreveu que Jesus Cristo num letreiro de plástico é romântico. Como é que ela pode ter ido embora? Só pode ser uma piada. Não acredito em Deus, sinto decepcionar quem chegou aqui até o final. Às vezes, mudo de ideia quando lembro que Renata Vasconcelos tem uma irmã gêmea igualzinha a ela. Daí rememoro que as duas são héteros e logo passa.
De qualquer forma, eu sei rezar o terço e irei fazê-lo, por bem ou por mal. Começa assim: creio em Deus pai, todo poderoso, criador do céu e da terra…
Nota do editor: só acho que a homilia é muito melhor que a santa que a inspirou.